Introdução a Bakhtin :: 2004/2 - Marxismo e Filosofia da Linguagem :: Capítulo I

Estudo das Ideologias e Filosofia da Linguagem

Por Lucas Travassos Telles e Maria Flor Brazil

Nesse primeiro capítulo da análise da importância da filosofia da linguagem para o marxismo, Bakhtin demonstra de que forma é possível estabelecer uma relação entre a ideologia e a linguagem. A base dessa relação está na afirmativa do autor de que a palavra é signo neutro. Essa neutralidade se deve ao fato de a palavra ser o signo através do qual todas as ideologias e formas de organização de pensamento na sociedade são explicados – seja no campo da arte, ciência ou religião. Sendo um código estabelecido socialmente e compartilhado por todos os membros de uma sociedade, apenas a palavra pode organizar e tornar clara uma ideologia, mesmo para aqueles que não compartilham de seus pressupostos. Assim, os signos fazem parte do que Bakhtin chama de terreno interindividual. Isso não significa que a palavra tenha a capacidade de por si só abarcar todos os signos ideológicos. Gestos humanos, músicas ou pinturas não podem de forma alguma ser substituído por palavras, mas a possibilidade de existência e de interpretação dessas manifestações estará sempre intermediada por elas.
A palavra é desenvolvida pelo homem através do convívio social. Dessa forma, os valores culturais e ideológicos e a palavra são desenvolvidos de forma simultânea, um influenciando o outro. Isso faz com que os signos estejam sempre carregados de diferentes significados, que vão sendo agregados a ele desde a sua criação. Dessa forma, todos os signos estão marcados desde sua origem por valores ideológicos. Essa demarcação reflete uma determinada ideologia, ao mesmo tempo em que refrata os significados atribuídos por outras linhas ideológicas, o que significa afirmar que “a realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade objetiva dos signos sociais” [1]

Bakhtin critica a filosofia idealista e uma linha da psicologia mais próxima ao positivismo por darem muita ênfase a consciência e deixarem de analisar os aspectos ideológicos dos signos. Ignorando o fato de “a palavra[ ser] um fenômeno ideológico por excelência” [1], essas duas disciplinas acabam cometendo um grande erro: a primeira supervaloriza a ideologia, como sendo uma entidade que paira sobre e sociedade e tudo nela determina; a segunda reduz a ideologia apenas à reações psicológicas particulares de cada indivíduo. O que ambas não consideram é o que Bakhtin chama de palavra interior. Toda a formulação, mesmo que feita pelo consciente de cada indivíduo, é sempre mediada por signos socialmente estabelecidos e, dessa forma, fortemente influenciada por diferentes ideologias. Os signos são fragmentos materiais da realidade porque a refletem, ao mesmo tempo que refratam qualquer outra forma de entendê-la.A consciência individual é elaborada através do repertório de signos colecionados pelos indivíduos ao longo da vida. É a partir de signos anteriores que os novos serão assimilados. Nessa relação de assimilação há sempre uma reestruturação do signo a partir de um ponto de vista específico. Ao signo são, dessa forma, agregados constantemente novos valores, o gerando uma constante transformação dialética. O signo conserva seus significados anteriores, que estão sempre sujeitos a transformações. E a mudança de significação de um signo é claramente uma questão do campo das lutas ideológicas.
É dessa forma que Bakhtin encontra a base para estudar a relação entre signo e ideologia. Os usos e conseqüências desse pressuposto serão expostos nos capítulos seguintes.


Referências Bibliográficas:

[1] Mikhail Bakhtin, “Estudo das ideologias e filosofia da linguagem”, IN: Marxismo e Filosofia da linguagem. São Paulo, Editora Hucitec, 8ª edição, p.36, 1997.


Introdução a Bakhtin :: 2004/2 - Marxismo e Filosofia da Linguagem :: Capítulo II