I Semana de Quadrinhos :: 2006/1

Atentar para a importância da animação na construção de identidades e realidades. Reviver momentos de relevância política no Brasil através da crítica/denúncia pelo humor. Analisar a evolução dos quadrinhos no cinema e o atual momento de produções cinematográficas de sucesso. Com esses objetivos, o Programa de Educação Tutorial da Escola de Comunicação da UFRJ (PET/ECO) realizou a I Semana de Quadrinhos da ECO/UFRJ, nos dias 10, 11 e 12 de maio de 2006 no campus da Praia Vermelha.

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Projeto idealizado pelo Programa de Educação Tutorial (PET-ECO), foi levado à frente pelas mãos de Rafael Moura Vargas e Ana Carolina Alves, que coordenam a equipe de organização: Amanda Meirinho, Diego de Souza Cotta e Guilherme Romeo Tomaz.

A I Semana de Quadrinhos ECO/UFRJ é uma realização do PET/ECO e contou com o apoio da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO/UFRJ), do Programa de Pós-Graduação da ECO, Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Escola de Belas Artes da UFRJ, Faculdade de Arquiterura e Urbanismo/UFRJ e Anim!Arte.

Site da Semana de Quadrinhos: http://www.eco.ufrj.br/semanadequadrinhos


Quadrinhos na Universidade
Por Marcus Vinicius de Medeiros
07/06/2006 [Almanaque Virtual]

Durante os dias 10, 11 e 12 de maio de 2006, a Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizou em seu campus, na Praia Vermelha, um evento dedicado às histórias em quadrinhos e à animação em suas mais variadas formas e gêneros, tais como a charge, o humor, e a ficção científica, além de oferecer oficinas práticas e teóricas. De acordo com Ana Carolina Alves, organizadora do evento, a proposta da I Semana de Quadrinhos ECO-UFRJ era “aproximar a universidade do estudo da arte seqüencial, porque esta não é reconhecida”.

Mesa de abertura – “Charges:
humor nas páginas de jornal”


As mesas-redondas reuniram desde chargistas consagrados a quadrinhistas que se aventuram na cena independente, garantindo uma atmosfera de seriedade e respeito à nona arte. Embora destoe das convenções de fãs, como os eventos dedicados à animação japonesa que proliferam atualmente, o ambiente foi bem-humorado, mesclando reflexões profundas e boas risadas.

A primeira palestra do dia 10 teve como tema Charges: Humor nas páginas de jornal, com Aroeira (O Dia), Arnaldo Branco (Revista F), Leonardo (Extra) e Alviño (Jornal dos Sports). Aroeira abriu o evento com uma apresentação que encontrou eco em muitos dos presentes: “Comecei a desenhar, descobri que era pequeno, magrinho, um típico nerd. E o desenho foi se tornando uma forma mais sofisticada de comer alguém, pagar as contas, e passei a viver disso. No processo, falo mal de políticos e amigos”.

Os demais participantes da mesa contaram histórias semelhantes sobre seu início no meio artístico, discordando apenas num ponto: “Acho que ele está errado na parte de comer alguém. Como músico isso é mais fácil”, apontou Leonardo. “A resposta é bacana, mas mulher, até agora, nada”, corroborou Arnaldo. Passadas as brincadeiras, foi abordado o papel social das charges. Explicou Aroeira: “Já vi dizendo que charge derruba governo, e já vi gente dizendo que não tem importância. Acho que não é por aí. Na época do Collor, era usada como estandarte. A charge perfeita é aquela que provoca uma catarse no leitor. O papel social é provar que esses políticos não são tão sérios. Se podemos zoá-los, podemos derrubá-los”, concluiu.

Mesa do 2º dia – “História,
Educação e Cultura nas HQs”

Em seguida, ocorreram a mesa-redonda Publicações Independentes do Pasquim ao Cenário Atual, e oficinas de “Finalização em Nanquim”e “Quadrinhos como Instrumento Político”, além da exibição de curtas de animação. Na palestra sobre publicações independentes, estiveram presentes Sérgio Cabral (Pasquim), Luimar Duarte (Banda Grossa), Arnaldo Branco (Revista F), Matias Maxx (Tarja Preta) e Renato Lima (Mosh). Luimar Duarte estava lançando sua revista Banda Grossa, e revelou o objetivo da publicação: “A proposta é mostrar nosso trabalho, é fazer humor escrachado, iconoclasta, sexo. A primeira edição foi bancada pela Fundação Cultural de Joinville. Agora temos o apoio da Casa da Matriz”.

Como influências, Luimar aponta a extinta Animal, Circo, Mad, Quase, Tarja Preta e F. Comentando sua formação profissional, o artista disse que se formou em Pintura pela UFRJ, mas sempre esteve inclinado para o humor. Para quem pretende seguir o mesmo caminho, aconselhou: “Casar com uma mulher rica. Tenha na cabeça que vai trabalhar muito, ser desenhista e saber vender seu produto. E ter outro sustento antes das HQs”.

O dia seguinte foi dedicado ao tema Quadrinhos na Construção de Identidades, abrindo com a mesa-redonda “História, Educação e Cultura nas HQs”. Francisco Caruso (EDUHQ), Waldomiro Vergueiro (NPHQ/USP) e Moacy Cisne (UFF) falaram principalmente sobre o uso dos quadrinhos com propósitos educacionais, sobretudo em escolas. “Eu não penso nas HQs com fins didáticos, mas elas podem funcionar como elemento de reforço ou como o próprio objeto de ensino na formação da identidade nacional, ser lidas em ambiente escolar, que realcem as qualidades e os percalços nacionais. Nenhuma HQ é inocente. Ela funciona como fonte de crítica e resgate da nossa identidade”, explicou o professor Waldomiro.

Já Francisco Caruso prosseguiu com uma apresentação de seu projeto EDUHQ, que explica ciências como Física e Matemática através de tirinhas: “Ao recorrer ao quadro negro, você é obrigado a explicar a ciência pela matemática e esbarra em problemas. Temos uma série de tirinhas onde os alunos criticam a escola”. Moacy Cisne fez uma retrospectiva de seu envolvimento com os quadrinhos desde a década de 1940, lembrando o preconceito que imperava nos meios culturais e acadêmicos.

Lançamento da Revista Banda Grossa

Octavio Aragão (Intempol), Adão Iturrusgarai (Aline e seus Dois Namorados), Carlos Patati (Nono Jacaré) e Anna Fortuna (Mulher-Cartum) estiveram à frente da mesa-redonda Linguagem e Estética das HQs e Artes Seqüenciais. Octavio Aragão deu uma verdadeira aula de história das HQs, buscando os primórdios da arte seqüencial. Em resposta ao atual predomínio do humor no quadrinho nacional, Octavio Aragão, responsável pelo álbum de ficção científica “The Long Yesterday”, do projeto Intempol, afirmou que existe o espaço para outros gêneros. “É só uma questão de ponto de vista. É só tentar fazer. Mudando este parâmetro, conseguiremos emplacar mais quadrinhos de ação”.

Anna Fortuna falou de sua criação para o jornal Pasquim 21, a Mulher-Cartum. “O mais importante do meu trabalho é o conteúdo, porque abordo as questões do universo feminino, num mundo em que a mulher ainda é vista como objeto sexual. A Mulher-Cartum é despudorada, explicita, fala de sexo de modo quase ginecológico. Ela é uma expert no assunto, e responde qualquer pergunta”. Adão Iturrusgarai comentou um pouco os artistas que o influenciaram, citando Henfil, Mauricio de Souza e Disney como seus primeiros contatos com o mundo dos quadrinhos, e Angeli como aquele que o fez decidir pela carreira profissional de cartunista.

O último dia do evento teve palestras dedicadas ao tema Quadrinhos e Tecnologia. Convidados como Miguel Paiva (Radical Chic) e Maurício Ricardo (Charges.com.Br) debateram a transição dos quadrinhos para mídias como o cinema e a internet. Na oficina de “Quadrinhos como instrumento político”, Andrei Viurievitch incitou acalorados debates sobre a adaptação cinematográfica da obra “V de Vingança”, do mago inglês Alan Moore, além de explorar momentos de contestação e crítica social em quadrinhos alternativos e de super-heróis.

A estimativa dos organizadores é de que 500 pessoas passaram pelas atrações da Semana de Quadrinhos, sendo mais de 75 inscritos nas oficinas. Embora não haja a perspectiva de inclusão do estudo de histórias em quadrinhos no currículo de Comunicação Social, fica a certeza de que a presença de nomes estabelecidos no mercado e novos talentos de futuro promissor contribuíram para derrubar preconceitos e apresentar novas possibilidades para a “arte invisível”.

Quando questionado sobre a existência de uma vanguarda no mundo dos quadrinhos, Octavio Aragão foi categórico. “Isso é coisa da modernidade. Hoje é tudo ao mesmo tempo, agora. Leiam, leiam, leiam. Cultura, cultura, cultura. Sejam pára-raios de informações”. Nenhum personagem dotado de superinteligência teria dito melhor.